eram duas amigas desfolhando a sorte
acenando os dotes que a vida lhes deu
eram duas compinchas a tagarelar
dispunham de tempo e espaço
o limite era o céu.
eram duas amigas
eram unha com carne
semeando os gestos ao deus dará
eram protagonistas nos retratos
entre um decote mais ousado
e um golo de chá
veio o ciúme, veio a paixão
veio o abismo onde cai a razão
vieram dias escuros cada vez mais iguais
cada uma mais perto de ter a verdade na mão
eram duas amigas
entretendo o tempo, tecendo muros de papel
eram duas comadres desconversando
perdidas no traço fino
entre o fel e o mel
eram duas amigas
ecoando ao fundo
no centro do mundo, onde eu morei
eram dois segundos de concentração
vestidos de cores que eu nunca mais descreverei
veio o silêncio ensurdecedor
ainda há contacto mas não há calor
quando as mãos ficam rijas e a alma se esconde
e fica entrincheirada
entre o ódio e o amor
entre o ódio e o amor